Antes de dormir, conte uma história ao seu filho. Pode ser a do menino que desafiava o tempo, rápido feito um raio e que colecionava ouros. Enquanto os outros corriam atrás, ele corria na frente. E, mesmo já tendo vencido todos, seguia correndo. Não bastava ser o homem mais rápido de todos os tempos. Era preciso ter os três títulos que ninguém tinha. Na noite deste domingo, antes de dormir, conte ao seu filho – se é que ele ainda não sabe – que só Usain Bolt é tricampeão na história dos 100m rasos, seja entre homens ou mulheres.
Conte o quão aplaudido e reverenciado ele foi assim que pisou na pista do Engenhão e como ele arrancou de forma espetacular para deixar o cronômetro parado em 9s81, sua melhor marca na temporada. Conte como ele venceu os limites de um corpo de 29 anos e como passou o americano Justin Gatlin (9s89) nos metros finais antes de celebrar com a torcida que o ovacionou a noite toda. O canadense Andre De Grasse (9s91), coadjuvante de luxo, completou o pódio.
– Eu já era uma lenda antes, isso não era uma dúvida. A questão era só melhorar, aumentar essas marcas. Eu precisava deste ouro para confirmar que sou um dos maiores. Estou orgulhoso de mim – disse Bolt, que com o tempo desta noite só perderia para ele mesmo na comparação entre todos os campeões dos 100m na história olímpica.
A entrega do novo ouro será nesta segunda-feira. A história ainda promete mais capítulos. Bolt tenta agora o ouro nos 200m (quarta-feira) e no revezamento 4 x 100m (sexta) para fechar o tricampeonato completo.
– É só o começo, tem mais duas por vir. A minha prova favorita, os 200m, está por vir. Vim aqui para isso. Esse é o meu foco.
O roteiro do terceiro ouro começou em julho e com mais drama do que o habitual. Na seletiva olímpica jamaicana, Bolt sentiu uma lesão na coxa e abriu mão de competir. Fez valer-se do regulamento, apresentou um atestado médico e correu contra o tempo para se recuperar e provar que teria condições físicas de defender a Jamaica e o próprio reinado no Rio. O fez com louvor.
Na primeira oportunidade que teve de mostrar seu valor na pista, na manhã de sábado, passeou na fase classificatória. Soube que Gatlin mais uma vez foi mais rápido, mas não se incomodou. Como de hábito, seu potencial apareceria no momento certo.
Neste domingo, a expectativa era toda sobre a final. As outras provas, mesmo valendo medalha, pareciam não importar. Ao chegar ao Engenhão, a torcida via nos telões o horário e uma contagem regressiva para a a decisão dos 100m. Quando o momento chegou, o astro não decepcionou.
Na semifinal, foi só pisar na pista para ser ovacionado. Cumprimentou o público de volta, bateu palmas e ouviu os gritos de “Bolt! Bolt! Bolt!”.
– A energia do estádio foi incrível. Não esperava que fosse tão grande – comentou, já depois do ouro.
Dado o tiro de partida da semi, um susto. Andrew Fisher, do Bahrein, que no aquecimento foi filmado batendo papo com o jamaicano, queimou a largada e deu adeus à disputa. Bolt voltou ao bloco e fez sua parte. Venceu a bateria com 9s86, sua melhor marca no ano, o suficiente para avançar em primeiro lugar geral. Gatlin, o principal rival, foi apresentado num misto de vaias e aplausos. Venceu a terceira bateria com 9s94, o terceiro tempo geral.
Quando a medalha entrou definitivamente em jogo, Bolt seguiu o script que o tornou lenda. Entrou de braços abertos, ovacionado. Gatlin foi ainda mais vaiado do que na semi, mas não deu importância. Bolt, muito menos. Foi o primeiro a testar o bloco de partida. Uma vez dada a largada, saiu mal como sempre, arrancou como sempre – para passar Gatlin, que liderou até os 10 metros finais – e cruzou em primeiro, como sempre fez em Olimpíadas desde que se tornou o homem mais rápido do mundo. Completou a distância em 9s81 e bateu no peito.
– Foi brilhante. O apoio que recebi da torcida brasileira foi simplesmente inacreditável. Sabia que ia ser demais, mas ficava arrepiado toda vez que saía e eles me aplaudiam. Não estava acreditando. Agradeço – comentou o astro.
O primeiro abraço foi em um urso de pelúcia gigante do mascote Vinícius. Depois, rodou o estádio e pegou uma bandeira da Jamaica. Abraçou alguns compatriotas, posou para selfie e seguiu sua volta olímpica ao som de um reggae tocado pelo sistema de som do Engenhão. Tirou as sapatilhas douradas que o guiaram a mais um ouro, abraçou mais jamaicanos na torcida e só então fez a comemoração do arqueiro, ou do “Raio”, como a torcida costuma chamar.
A essa altura, a classificatória do salto em altura masculino ainda rolava na pista, mas ninguém prestava atenção – ela terminaria com o estádio quase vazio. Todos os olhos seguiam vidrados em Bolt, que ria, posava para fotos e agradecia pelo carinho e gritos de “Bolt! Bolt! Bolt!”. Nada mais merecido. Ele é o cara. Ele é Usain Bolt. Ele é tricampeão olímpico dos 100m. Antes de dormir, não se esqueça de contar isso ao seu filho.
Fonte: Globo Esporte