Jornalista lavrense está entre mulheres que conquistam espaço na dramaturgia

novembro 13, 2017

Não muito diferente de outras áreas artísticas, a presença das mulheres em certos campos das artes cênicas ainda se faz quantitativamente tímida em relação à dos homens, embora vale destacar que o movimento vem crescendo. É assim, por exemplo, na dramaturgia.

Pensando a cena mineira, Sara Pinheiro é um dos nomes que tem dedicado especial atenção à prática e ao pensamento dramatúrgico. Uma das criadoras do Janela de Dramaturgia – iniciativa que publica e divulga textos teatrais, incentivando a escrita e a discussão sobre o tema –, ela aponta que, nos seis anos do projeto, a proporção de nomes femininos e masculinos transparece os reflexos sociais.


Continua depois da publicidade...

“A presença masculina ainda é muito maior”, afirma. “Mas estamos em um momento em que, apesar dos retrocessos políticos, há um movimento forte que repensa esses espaços. Isso envolve muita luta, o que demora, mas já vemos reverberações e modificações”, comenta Sara.

Para algumas gerações de dramaturgas, o caminho de desbravamento do território se fez sem muitas referências. Os nomes vinham da literatura, e não exatamente da dramaturgia. “Desde a adolescência, tive Virgínia Woolf (1882-1941) como uma referência, mas na dramaturgia não tive. Eu via Cida Falabella como uma referência interessante, assim como Ione de Medeiros. Embora não sejam fundamentalmente autoras, são criadoras e têm essa visão da cena que passa pela dramaturgia”, comenta a diretora, atriz e dramaturga Rita Clemente, citando também a diretora paulista Bia Lessa, que a estimulou a escrever a partir das adaptações de romances e contos.

Já Cidinha Silva, escritora, dramaturga e pesquisadora, diz ter encontrado mulheres negras no campo da dramaturgia, não propriamente dramaturgas. Ela se refere à professora Leda Maria Martins. “A leitura estética do Teatro Experimental do Negro feita no livro ‘A Cena em Sombras’ me impactou muito na juventude. Além disso, o conceito de ‘oralitura’, trazido por Leda para o Brasil para pensar a performance negra nas culturas populares, é uma ferramenta que tenho usado ao longo da vida”, comenta Cidinha, ainda fazendo referências à poética de Elisa Lucinda.

Já as atrizes e dramaturgas Marina Viana e Júnia Pereira tomam como referência Sara Rojo e o trabalho coletivo do Mayombe Grupo de Teatro. “Quem me inspirou foi Sara Rojo. A cada espetáculo, escrevíamos todos juntos. Por isso, não gostava do nome dramaturga. Falava que era uma atriz que escrevia”, conta Marina. “De toda forma, minha geração tem a Grace Passô como referência. Estávamos estudando e, de repente, ela aparece”, afirma.

“Grace é muito próxima da cena e foi importante tanto em relação ao que escreve, como também ao movimento que gerou com esse desejo de estar e pensar o lugar da dramaturgia”, comenta Sara Pinheiro.

Diferenças. Mas além da presença ainda em menor escala, o tratamento também se faz diferente. “Na dramaturgia, tenho Caryl Churchill, do Reino Unido, como referência. Ela tem a mesma estatura que Harold Pinter, dramaturgo inglês da mesma geração que ela. Mas, por ser mulher, Caryl não tem a mesma visibilidade. Ela é importante, profícua e faz muitas experiências com a linguagem. Cada peça dela é um universo especial, e o fato de ser mulher encoraja outras a escreverem”, comenta a jornalista e dramaturga Silvia Gomez, mineira de Lavras, que se firmou em São Paulo, integrando por nove anos o Círculo de Dramaturgia do CPT, Centro de Pesquisa Teatral, coordenado por Antunes Filho.

Silvia Gomez

Silvia Gomez

Pensando nas brasileiras, ela cita nomes como a paulista Leilah Assumpção (com “Intimidade Indecente”, em cartaz até 17 de dezembro no Teatro da Cidade) e as dramaturgas mineiras das décadas de 60 e 70 Gabriela Rabelo e Consuelo de Castro (falecida em 2016). “Precisamos voltar a falar delas, porque nós não falamos. É importante percebermos que nós, mulheres, também podemos cair numa lógica que privilegia a escrita masculina. Nossas obras recebem tratamentos diferentes. É como se a obra da mulher tivesse que falar muito alto para ser ouvida”, completa Silvia.

Para Júnia, tanto homens como mulheres têm sido atravessados pelas questões de gênero, mas as diferenças se fazem históricas. “É como se as questões que os homens trazem fossem universais. E quando trazemos algo do nosso ponto de vista, é como se a perspectiva feminina fosse um lado B”, pontua.

Escrita feminina. Na discussão sobre a dramaturgia criada por mulheres, Silvia expõe o questionamento se existe uma escrita feminina. “Existe, por exemplo, uma arquitetura feminina? Não. Existem boas mulheres em arquitetura. O mesmo para a dramaturgia. Mas, dentro dessa ótica, que é a da expressão individual, quando escrevemos, estamos sempre falando a partir do que passa pelos nossos corpos. E é desse lugar de mulher que falam as dramaturgas, ainda que falemos sobre o mundo a nossa volta. Não tem como não passar por esse corpo. Então, as questões da mulher vão aparecer”, observa Silvia. “Esse é um momento privilegiado de se perguntar o que é construção? O que é verdade sobre a mulher, o que é ser mulher? É um lugar híbrido, e que bom que podemos discutir isso, porque discutir gênero é discutir liberdades”, completa ela, vencedora, em 2015, dos prêmios da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e Aplauso Brasil pelo texto “Mantenha Fora do Alcance do Bebê”.

FOTO: FLICA/DIVULGAÇÃO
ss
Cidinha Silva

“Ao acompanhar o que Elisa Lucinda fez e faz quando leva sua poética para os palcos, estabeleço diálogo com minha necessidade de construir uma linguagem poética que produza lugares de respiro, humanidade e esperança na vivência de temas duríssimos, como o racismo e seu rastro de destruição, que levei ao palco por duas vezes”.

ESCREVEU:

“Sangoma: Saúde às Mulheres Negras”, em parceria com a Cia. Capulanas de Arte Negra

“Engravidei, Pari Cavalos e Aprendi a Voar Sem Asas”

“Os Coloridos”, espetáculo de rua para crianças

FOTO: RAIQUE MOURA/DIVULGAÇÃO
asdf
Júnia Pereira

“‘Judith e Sua Sombra de Menino’ é uma adaptação que trata da questão de gênero para crianças. Conta a história de uma menina que não se enquadra nos comportamentos que os pais acham que ela tem que ter. A família diz que ela parece até menino. Em nossas apresentações, recebemos protestos do MBL. A recepção das crianças é muito boa. Elas entram no universo da fábula e compreendem perfeitamente as questões. O difícil é a mediação com as escolas, com os pais etc”.

ESCREVEU:

“Por Essa Porta Estar Fechada, as Outras Tiveram Que Se Abrir”, Mayombe – dramatugia coletiva

“It” – com Amanda Dias Leite

“Encontro com Pedro Juan”, com Henrique Limadre

“Vendaval”, com Glauce Guima

“Anemia”, inédito

“Judith e Sua Sombra de Menino”, adaptação

FOTO: ALAN MCCREDIE / DIVULGAÇÃO
FFGFG
Silvia Gomez

“Minha escrita passa pelo meu corpo e, quando escrevo, falo sobre o que mais me amedronta. Quando olho para as minhas peças, me dou conta de que estou falando do que é ser mulher neste mundo, sobre tudo isso que eu vejo e me incomoda. Hoje estou escrevendo ‘Neste Mundo Louco, Nesta Noite Brilhante’, sobre estupro coletivo. Quando uma mulher anda na rua, passa pela cabeça uma sombra de estupro”.

ESCREVEU:

“O Céu Cinco Minutos Antes da Tempestade”

“O Amor e Outros Estranhos Rumores”

“Abra a Janela Antes de Começar”

“Mantenha Fora do Alcance do Bebê”

“Marte, Você Está Aí?”

FOTO: KELLY KNELVES/DIVULGAÇÃO
dd
Grace Passô

“Me lembro da primeira vez que trabalhei no Festival de Arte Negra. Foi uma grande transformação pra mim em relação à questão do negro na arte. Isso é um processo de construção que agora vem com muita potência. E hoje sou profundamente transformada em relação a isso”.

ESCREVEU:

“Por Elise”

“Amores Surdos”

“Congresso Internacional do Medo”

“Marcha para Zenturo”

“Os Ancestrais”

“Guerrilheiras ou Para a Terra Não Há Desaparecidos”

“Vaga Carne”

“Mata Teu Pai”

“Preto”, em coautoria com Marcio Abreu

FOTO: TOMAS ARTHUZZI/DIVULGAÇÃO
sdv
Marina Vianna

“Na minha escrita, eu parto desse meu lugar de mulher e isso me atravessa. Nem sempre é um tema, mas ele aparece de outras formas”.

ALGUNS ESCRITOS:

“Nossosnuestrosmitos”, escrita coletiva com o Mayombe Grupo de Teatro

“Máquina de Pinball”, adaptação

“Elizabeth Está Atrasada” e “Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões”, criação coletiva com a Primeira Campainha

“Festival de Ideias Brutas”

“Amor – Manifesto Antiacademicista Pró-Bruxaria sem Rigor Conceitual do Meu Lado Ocidental que Eurípedes Desconhece”, Mayombe

“MPB – Peça Manifesto em Três Estrofes e Um Refrão”, inédito

“Calor na Bacurinha”, criação coletiva com o Coletivo As Bacurinhas

FOTO: JOAO LUIZ DA SILVA JR/DIVULGAÇÃO
ddg
Sara Pinheiro

“Antes, eu diria que gênero não atravessa a minha escrita. Agora, acho que sim. ‘Conto Anônimo’ é um monólogo de uma mulher que fala de amor. Quando escrevi, não tinha tanta consciência e, hoje, com tudo isso que estamos vivendo, gostaria de reelaborar. Vejo que as questões de gênero estão ali e posso revistar já trazendo uma consciência maior”.

“A Mudança”, Cia. do Chá

“E Se Fosse o Byron?”, Janela de Dramaturgia

“Conto Anônimo”, Janela de Dramaturgia / em processo de montagem

“S/ Título, Óleo Sobre Tela”, Cia. do Chá

“Discurso Sobre a Verdade”, cena curta em co-autoria com Ricardo Alves Jr.

“Mero”,Janela de Dramaturgia / Humaitá

“Trombo”, cena curta em coautoria com Carolina Correa

“O Berro”, U.V.A Conexões

“Cine Splendid”, Espacio E e Entrefilmes

FOTO: BIANCA AUN/DIVULGAÇÃO
dtg
Rita Clemente

“Todas as questões que nos atravessam estão comigo e me incomodam. Gênero é uma delas e está muito presente em tudo que pensamos e tratamos nas relações que queremos travar com os personagens, a ideia de situação, desenvolvimento, heranças que gosto de ter para transformá-las”.

ADAPTAÇÕES:

“Tempestade e Impeto”,

“Lisístrata”,

“Rinoceronte”,

“Os Dias Felizes, Suíte em Nove Movimentos”,

Trilogia “Inominável”,

“Malone”,

“Malone Morre”,

“Enquanto Espera”, cena curta a partir de “Malone Morre”

ESCREVEU:

“Antes do Fim”,

“Ricochete”,

“19h45”,

“Mergulho”, em processo de montagem

Fonte: O Tempo

Deixe aqui o seu comentário:



Economia


© 2016-2024 Lavras.TV