Cuidar da saúde, dizer mais vezes “eu te amo”, sorrir mais, ter filhos. Planos que passam pela cabeça de muitas pessoas quando um novo ano se inicia, mas que na vida da administradora de empresas Lívia Salles adquirem contornos de um verdadeiro troféu para 2017. Há pouco mais de dois anos, as dificuldades decorrentes da retirada de um tumor na cabeça fariam os menores desejos se tornarem sonhos quase impossíveis, mas impossível é um estado que a mineira de Lavras (MG) aprendeu a alcançar com a ajuda da prática esportiva.
“Eu encontrei no esporte uma paixão e um caminho para lidar com as limitações que adquiri. Se você me conhecesse antes, você veria que eu não conseguia falar. Eu esquecia as palavras. Eu tentava explicar, eu descrevia o que eu queria dizer porque eu não lembrava o nome das coisas. Eu me tornei mais calada porque eu ficava com vergonha. Gastava muito tempo para poder dar uma opinião”, conta uma Lívia que hoje é muito falante.
A história de superação da mineira de 31 anos virou livro. Na autobiografia “Aprendendo com a vida”, ela conta como a notícia de sua doença se transformou no que ela chama de “empurrão” para acreditar em si mesma e adotar novos hábitos.
Dez anos de luta Era outubro de 2006 quando convulsões denunciaram a existência de um tumor benigno no lado esquerdo do cérebro da então estudante de administração de empresas. “Primeiro, eu me perguntei por que aquilo estava acontecendo comigo. Depois, quando os médicos indicaram remédios como forma de controle das crises, eu decidi que levaria a vida da forma mais normal possível, mas aí os sintomas da doença pioraram.”
Um aumento na atividade elétrica em determinadas áreas do cérebro cria um distúrbio, que se caracteriza pela contração involuntária dos músculos. É assim que a Medicina descreve uma convulsão. Lívia relata em seu livro que simplesmente se sentia desligada e, ao acordar, percebia dores e machucados pelo corpo. No primeiro ano, ela passou apenas por uma crise. Dois anos depois, chegava a ter três no mesmo dia.
Exames apontaram que o tumor estava crescendo irregularmente. Não era maligno, mas podia se tornar um. Foi assim que a mineira teve que se submeter a uma cirurgia para a retirada da massa anormal de tecido. Embora arriscado, o procedimento foi bem sucedido, mas afetou para sempre a capacidade de Lívia em guardar memórias recentes.
Os problemas de comunicação decorrentes dessa sequela começaram a criar novos obstáculos no dia-a-dia da administradora de empresa. Além disso, o longo período de consumo de medicamentos fez com que ela ganhasse peso- situação que Lívia só percebeu após a cirurgia. Mais uma vez, o mundo parecia estar do avesso.
Desistir nunca foi alternativa “Mas eu queria viver e encontrei em mim uma força que eu desconhecia. Quando as convulsões se agravaram, voltei para a casa dos meus pais, para a minha terra natal [até então, ela estudava em Belo Horizonte] e, mesmo com as dificuldades, continuei estudando e trabalhando. Seis meses depois da minha cirurgia, eu me casei. Eu não ia desistir”, observa.
Em 2014, novos exames mostraram que a capacidade de memorização de Lívia estava quase desativada. Ela praticamente não conseguia mais ler, a escrita estava cada dia mais difícil. Exercícios de estímulo cognitivo foram recomendados, mas foi na corrida que todo o seu esforço para descobrir novas formas de criar memórias se potencializou.
Recuperando memórias “Eu percebi que a corrida estava ajudando a colocar meu pensamento em ordem, estava clareando minhas ideias e melhorando o meu aprendizado. […] No começo, eu não me lembrava de nada, mas logo a imaginação e o raciocínio começaram a trabalhar e eu conseguia lembrar o que tinha feito no dia anterior- coisas simples como o que eu havia comido e a que horas eu havia dormido”, escreveu em uma das passagens de seu livro.
A corrida entrou na rotina da administradora com o objetivo de devolver a ela o condicionamento físico. No entanto, além da perda de peso, a atividade estimulou o cérebro a criar novos caminhos para suas memórias. Animada com os resultados, Lívia mudou seu estilo de vida.
“Participo de maratonas. A última em fui aconteceu em novembro [de 2016] em São Tomé das Letras. Fiquei em primeiro lugar”, conta, orgulhosa. “Eu me apaixonei pela prática de esportes, pela corrida”, relata ela que passou a ter uma rotina diária de exercícios, incluindo outras atividades, como natação, ciclismo e musculação.
Recuperação de sonhos Em 2016, escrever um livro contando sua experiência foi outro passo importante no processo de recuperação. Na chegada de 2017, ela sonha com outros desafios.
“Eu quero partilhar minha história com outras pessoas e quero ter um filho. Ainda tenho um resquício do tumor, porque a retirada total poderia comprometer fala e visão, mas faço anualmente exames e ele está como que petrificado. Ainda tomo remédios, só que em dosagens bem baixas, como precaução para evitar possíveis convulsões. E acredito que vou conseguir realizar mais esse sonho. Vamos esperar”, comenta, rindo, cheia de esperança, outro estado que ela aprendeu a vivenciar todos os dias.
Fonte: G1 Sul de Minas